Cocaína – Características e efeitos
A cocaína é um alcalóide natural extraído da planta Erythroxylon coca, estimulante do Sistema Nervoso Central (SNC) e anestésico local.
Pode provocar efeitos físicos e psíquicos agudos importantes, tanto em usuários crônicos, eventuais ou iniciantes, instabilizar problemas clínicos de base ou ainda gerar complicações clínicas pelo uso prolongado.
O uso da cocaína cresceu largamente ao longo dos anos. Os efeitos que a substância causa variam de acordo com a dose, as características individuais do usuário e o modo de administração.
Boa parte dos indivíduos faz uso de cocaína associado a outras drogas depressoras do SNC (álcool, benzodiazepínicos e maconha, no contexto brasileiro, e opióides), visando a contrabalançar os efeitos simpatomiméticos (estimulantes) da droga. Pode haver dependência de álcool associada, produzindo sinais e sintomas de abstinência e/ou delirium, nos dias seguintes à administração da droga.
A cocaína e o crack vendidos nas ruas, por sua natureza ilícita, não têm controle de qualidade e possuem toda a sorte de adulterantes e métodos de refino e alcalinização duvidosos, aumentando ainda mais a vulnerabilidade dos usuários.
A presença da cocaína em nosso cotidiano e sua capacidade geradora ou desencadeadora de complicações focais e sistêmicas, torna-a um diagnóstico diferencial importante para o clínico e o psiquiatra nas salas de emergência e requer uma avaliação além do olhar puramente psíquico e fenomenológico.
Tratamento para cocaína - Avaliação clínica de usuários e dependentes:
A avaliação clínica deve levar em conta, além da pesquisa detalhada do histórico clínico do indivíduo, as informações provenientes de prontuários, familiares, amigos ou até mesmo funcionários. Também são levados em conta fatores como a via de administração, a duração dos efeitos e o uso de outras substâncias. Exames laboratoriais também têm grande relevância, assim como exames físicos.
Tratamento para cocaína - Administração e biodisponibilidade
A cocaína pode ser utilizada por qualquer via de administração: oral, intranasal, injetável ou pulmonar. A via escolhida interfere na quantidade e na qualidade dos efeitos provocados pela substância. Quando maior e mais rápido o início e a duração dos efeitos, maior a probabilidade de dependência e abuso. As particularidades de cada via expõem os usuários a determinados riscos, tais como contaminações pelo compartilhamento de seringas, exacerbação de quadros asmáticos, rinites persistentes, dentre outros.
A administração oral, o hábito de mascar ou tomar chás de folha de coca, é secular e cultural nos países andinos, por suas características reativantes e anorexígenas. As folhas têm baixa concentração de cocaína (menos de 2%), com chances remotas de intoxicação. Apenas 2 - 3% da cocaína ingerida por via oral é absorvida pelo organismo, os efeitos iniciam-se cerca de 30 minutos depois e duram cerca de 90 minutos.
A via intranasal ou aspirada têm biodisponibilidade de 30%. Boa parte do pó refinado prende-se a mucosa nasal, onde é absorvido pela circulação local. O efeito da cocaína pode ser sentido minutos após a primeira administração, com duração de 30 a 45 minutos.
A cocaína fumada era pouco utilizada até o aparecimento do crack. A pasta da cocaína, produto intermediário do refino, é obtido após a maceração e tratamento das folhas de coca com ácido sulfúrico, alcalinos e querosene. O refino e obtenção do cloridrato de cocaína se dá a partir da acidificação da pasta, com ácido clorídrico.
A cocaína refinada é ácida e por isso pouco volátil e sujeita à degradação em altas temperaturas. A pasta e o crack, de natureza básica, têm pontos de ebulição mais baixos e podem ser fumados. A fumaça inalada é composta por vapores de cocaína (6,5%) e minúsculas partículas de cocaína (93,5%). Ambos podem ter de 20 a 85% de substância ativa, seus efeitos são sentidos em menos de 10 segundos e duram de 5 a 10 minutos. O índice de absorção variável: 6 - 32%.
A cocaína injetável começa a agir no sistema nervoso central de 30 a 45 segundos após a aplicação. A via elimina a etapa da absorção e o efeito de primeira passagem hepática. Desse modo, o aproveitamento da cocaína é de 100%, sendo necessária uma dose 20% menor daquela ingerida ou aspirada. O efeito euforizante dura cerca de 20 minutos.
Tratamento para cocaína - Sintomas:
A sintomatologia do uso da cocaína se divide em:
Intoxicação: alterações comportamentais ou psicológicas; euforia; hiper vigilância, ansiedade, sudorese, calafrios, náusea, vômitos, convulsões, coma, taquicardia, hipertensão e arritmia.
A estimulação do Sistema Nervoso Central produz ansiedade, psicoses e convulsões. O aumento do metabolismo e a hiperatividade podem levar à hipertermia e rabdomiólise.
Compulsão e Abuso: A cocaína é capaz de estimular o sistema de gratificação do Sistema Nervoso Central, mediado principalmente pela via dopaminérgica do sistema de reforço cerebral. A atividade do sistema parece contribuir para os comportamentos de busca compulsiva e abuso da substância. O que gera o não cumprimento de obrigações; uso da substância em momentos de risco; problemas legais; uso continuado e abusivo.
Abstinência: humor oscilante, fadiga, sonhos vívidos, insônia, hipersonia, hiperfagia, retardo ou agitação.
A tolerância para os efeitos euforizantes desenvolve-se com alguma rapidez, principalmente no uso compulsivo. Advém da hiper metabolização da dopamina liberada na sinapse, do aumento nos limiares de estimulação dos auto receptores e na diminuição dos impulsos pré sinápticos. Por outro lado, há uma tolerância reversa (fenômeno conhecido por sensibilização) para os sintomas motores, com piora dos movimentos estereotipados, inquietação e dos níveis de ansiedade.
Dependência: esforço mal sucedido no sentido de reduzir ou parar; aparição de sintomas de abstinência quando cessado o uso; frequência no uso; tempo longo gasto na obtenção da droga; grande tolerância à substância.
Tratamento para cocaína - Problemas específicos: (Foto Uniad / Unifesp)
Aparelho respiratório - O acometimento pulmonar é uma complicação relacionada ao uso do crack. Os usuários comumente apresentam dores torácicas, tosse, hemoptise, que podem ser devidas a várias condições clínicas, como atelectasias, pneumo mediastino, pneumotórax e hemopneumotórax. Pode haver exacerbação de quadros de asma, injúrias térmicas nas vias aéreas, deterioração da função pulmonar, bronqueolite obliterante, edema pulmonar não-cardiogênico e infiltrado pulmonar.
Quadros respiratórios agudos são altamente prevalentes após cerca de 1 a 12 horas de uso. Os principais sinais e sintomas são: tosse produtiva com escarros enegrecidos, hemoptise, dor à inspiração profunda, palpitações cardíacas, piora discreta da capacidade pulmonar.
O uso da cocaína aspirada está associada ao aparecimento de rinites alérgicas ou vasomotoras, sangramento, ulceração ou perfuração do septo nasal, sinusite ou colapso nasal. Além disso, o uso pronunciado de descongestionantes nasais por esses indivíduos por longo período acaba por deixá-los dependentes do uso continuado do produto, a fim de evitar efeitos-rebote e desconforto na respiração via nasal.
Aparelho cardiovascular - Os usuários de cocaína endovenosa facilitam o aparecimento de complicações secundárias à ruptura da camada protetora da pele. São mais suscetíveis ao aparecimento de celulites e abscessos, vasculites e endocardites.
Sistema nervoso central - Acometimentos centrais relacionados à cocaína encontrados na literatura são os transtornos dos movimentos (tiques, reações distônicas), encefalites fúngicas e abscessos cerebrais. Atrofias cerebrais não-relacionadas a infecções, AVC ou traumatismos já foram detectados em usuários crônicos.
Fígado, hepatite e HIV - O uso de cocaína intravenosa por algumas horas aumenta reversivelmente as transaminases hepáticas. A prevalência de infecções pelo vírus da hepatite B e C e pelo HIV é maior nessa população, devido ao compartilhamento das seringas. Os usuários de crack expõem-se mais a atividades sexuais de risco, muitas vezes com o intuito de trocá-las pela substância, e por isso estão suscetíveis as mesmas infecções.